Ela saiu à rua a procura de um café. Forte. Com pouco doce. Imaginar o perfume dos grãos torrados açoda o cérebro de tal modo que as mãos, logo, se percebem inquietas. O jornal dobrado não tem o menor sentido se devorado a seco. As notícias têm sabor amargo que logo lembram estar sentada confortavelmente à parte delas. Distanciar-se um pouco, para, então, entrar em sutil comunhão, sentindo o quente tocar os lábios e o inigualável gosto do acerbo descer a garganta. É preciso alguma pressa. Mas sem perder a calma. É preciso logo chegar: antes que a confusão dos apressados transeuntes deixe de ser mero acaso pra, fatalmente, assumir papel de protagonista da insossa trama do cotidiano urbano. Mas é preciso, também, manter o ar matinal da caminhada! Ela atravessou uma, duas ruas. Dobrou algumas esquinas. Mecânico andar. Não olhar as vitrines. Não refletir sobre os semáforos é primordial. É preciso estar assim. Assim. Única. Quem dera todos os dias fossem nublados – pensou. É preciso estar assim. Manter o passo. Sustentar o tom. A elegância é um dom – falou baixinho. O magro assento de madeira a sorriu após uma esquina fechada. Aliviada, prontamente esticou a coluna, mediu cuidadosamente os passos e o alcançou. Agora sim. Abrir o jornal. Ler o mundo em letras miúdas. Dominar o espaço com bolsa, pernas cruzadas, isqueiro e braços. Olhar ao longe o cenário. Um gole vagaroso e um sorriso de prazer escorre no canto da boca. Tragável atentado terrorista no Oriente Médio. O som minúsculo do fogo queimando tabaco e papel como uma canção livre. Outro gole. Enquanto o quente toca a língua, uma velha atravessa a rua. Uma criança é arrastada por sua mãe rumo à escola. Outro gole. Outra página. Um pouco mais do mundo. No polegar. Desce morosa a cara lavada do ministro. A saia ainda engomada. Alinhada. Os sapatos, um pouco gastos, sim. Mas combinam perfeitamente com as meias. Mais um gole que se arrasta em lentidão, na companhia dum trago, e as paredes cinzas da cidade cinza lhe pareceram fazer algum sentido.
Num minuto, o café evaporara da xícara. Com olhar de desalento, o viu se reduzir à condição de sujeirinha, ao que a língua escorregou pelos lábios. Vencida, dobrou as páginas do jornal, apagou o cigarro no cinzeiro e pôs-se de pé. Aprumou outra vez os cabelos, esticou as costas e se foi ser tragada pela cidade.