Estou sentando diante da chama de uma vela. O mundo agora, em preto e branco, concentra sua força, sua intensidade, sua voracidade e alguma acidental afabilidade em torno do brilho de vida que se perde em chiaroescuro de penumbra e paz. Estou prostrado diante da vela que acendi e seu calor toca meu rosto. Talvez esteja enrubescendo minhas bochechas. Talvez me inspire a escrever um poema. Refletindo sobre a velocidade da luz e os limites dos meus sentidos, me lembro do livro do Bachelard que não li. E me lembro de todos os outros. Principalmente os que só folheei e pensei “esse deve ser bom, vou ler”, mas não o fiz. Por sorte, não haverei de ter coragem pra pôr em letras esse momento - eu seria, certamente, mal julgado. Aproximando minhas mãos da luz, vejo reluzirem minhas linhas. Minha sorte. Meu fado. Sempre tive inclinação a advogado do diabo, mas a mim mesmo, sempre deixei ao acaso. Sempre gostei de poesia... Sempre gostei de falar do passado. Incrível a minha capacidade de transformar tudo em conto, em prosa, em causo. Incrível. Incrível. In crível. Gosto de praia em dias nublados. Gosto do silêncio que sempre assola minha madrugada. Que a atravessa. Que a estraçalha. E que a faz ser minha. Estou sentando aqui, bem aqui. Não sei o que há dos meus lados. Não sei o que vai ser de mim quando o breu chegar. Eu estou sentado bem aqui. Ela estava subindo os degraus do trem quando de repente se virou me procurando com os olhos. Eu acenei com os dedos. Depois de algum tempo, ela me confessou ter se arrependido de tal movimento. E eu, ouvindo isso, fiquei triste. O cigarro agora me faz companhia. Engraçado como é possível até se sentir completo estando só. Mas incomoda, e incomoda de um modo indizível. Eu tenho a escuridão que parece emanar da luz. Eu tenho essa contradição. E eu tenho o silêncio. Viva, silêncio, mesmo que não me escutes. Fique um pouco mais. A vela está quase ao seu fim e meu sono há de chegar. Há de chegar. Dança comigo essa maldita música que agora não permite minha mente pensar em nada de útil. Eu ainda estou sentado diante da chama míngua de uma vela que se esgota. Um objeto medíocre cujo propósito não se difere tanto do meu. A vela morre porque cumpre calada a sua missão. Hei de deitar. Hei de deitar e o sono há de chegar. Hei de deitar porque prefiro despedidas – elas sempre permitem uma retificação – a morte. Sobretudo a morte da luz.