Angustus, o homem que caminhava

O homem caminhava pela estrada.
Pela estrada com os pés descalços.
Com os pés descalços e a roupa rasgada.
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O chapéu do homem fazia sombra.
A sombra do chapéu cobria seu rosto.
O seu rosto ninguém enxergava.
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A passagem do homem é um labirinto sem muros.
Dentre unhas e dedos, o vermelho em pó.
Descalças, a n d a r i l h a v a m  a s  d a t i l o g r a f i a s .
Dedo ante dedo; ser anti ser; pé ante pé.
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A trilha é turva, o chão é de barro.
Os pés são descalços e ele caminha
De leve, com as solas chapadas.
Fritando a estrada, fitando os nadas.
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O homem é turvo.
O caminho é de sombras.
O chapéu é rasgado.
E a estrada é de pés.
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E assim tudo é,
Pois é assim que quer
Quem escreve, não quem anda.
Não quem simplesmente quer.
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Quem faz poesia, poeta.
Quem caminha, procura.
Quem passeia, passagem.
Quem inventa, loucura.
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E quem cria animais falantes,
Não é caminhante,
Pois percorre sentado
A odisséia que é
Gozar a doidice
De falar sendo mudo,
Bem como seria…
No escuro do mundo,
Com abafados sussurros
Deflorar as vertigens
Que o fazem Angustus.
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Desbotar os invernos…,
Vaguear por paisagens…,
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Esfregar nas pernas o barro dos pés,
Soprar vento de vida nos magros papéis.
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Sozinhar com caneta que pinga
Uma estória eufórica sobre o Destino.
Chegar sem nunca ter ido,
Escrever e nunca ser lido.