Bom Dia, Pássaro

Foi voando. Foi comprimindo ingênua e mecanicamente as asas contra o ar, ao embalo do não pensar e do tangível querer do vento. Conta e a favor o tempo. No acaso da liberdade aérea, verdejante e fleuma. No acaso de tão-simples poder, que o horizonte à sua frente se desenhando foi em curvas novas.
Motivado pela voz azul que dizia ‘adiante!’, ele foi... Voando. A cada bater de asas um novo mistério desvendado e apresentado.Pintando o devir com cores naturais, acidentais. Presenteando a visão com formas até então desconhecidas, com o casto exercício de obedecer à natureza. À própria natureza. Ser livre, enfim, e poder abraçar o novo a todo instante. Como um looping sem fim de uma montanha-russa em espiral, como o pensamento de Foucault, ou a falação de Bourdieu.
Novas linhas, novas linhas e novos desenhos a cada impulso. Linhas e entrelinhas. Sua parte divina o permitia saber que subestimar as entrelinhas é não conhecer o essencial. E trata-se disso o mergulho. Fechar os olhos e ver ainda mais claro e nítido o próprio destino. Fechar os olhos e ter nos ouvidos o zunido vivo de um vento que vibra crescente e arisco dentro de seu pequeno corpo. Como sentir Wagner e suas Valkírias a cavalgar, a sacudir e pôr em teste seu pequeno estômago.
O mesmo acaso. Divino. Possível. Livre. O mesmo acaso embaça a vista. O cata-vento de cores a girar... Tão rápido... E então branco. Então branco acinzentado. O estômago, então, dói. Talvez pela marcha dos cavalos. Talvez alguma tontura. Talvez fome. A vista embaçada. Como um olhar a espelhos transversais. E então Branco. E cinza claro. E então alguma tontura e alguma fome. E então o cata-vento gira, e gira rápido. Os olhos se percebem estranhos. E engolem sem mastigar uma breve, mas presente confusão de branco acinzentada. Cinza claro em espelhos transversais e mal limpos. Paredes. Paredes. E então, estar-se vivo. Seguro. Estar-se vivo, seguro e com patas no chão. Paredes, grades e a felicidade de estar em segurança.
Bom dia, pássaro.