A Janela

O dia nasce. O dia nasce e caminhamos. Atravessamos, com passos cadenciados, a sala. Paramos eretos. Eretos. De pé. Sapiens. Humanos. Homens. Paramos de pé fronte à janela. O sol brilha por entre objetos distantes. Invade inquieto o buraco a nossa frente. O mundo lá fora nasce outra vez. Lá fora. Uma máquina que se processa segundo uma estranha razão. Que funciona independente. Que se autogere. Um complexo distante. Inalcançável aos dedos que agora roçam suaves a superfície da carente madeira. Que se prendem a um pedaço de lenho, indolentes, entre o peito e o peitoril. Lá fora, uma fábrica megalomaníaca em que pequenas formigas de breves vidas e silenciosos propósitos depositam religiosamente os suores de cada dia. Uma fábrica. Um parque. Uma metamorfose fixa, demasiada lenta e vulgar. Daqui, contemplamos. Aqui, abrimos janela. Respiramos um pouco de ar. Absorvemos um pouco de vida. Esticamos um pouco as costas. Aqui, nós. Lá, o mundo. Confortavelmente situados entre uma fronteira e outra. Que nem se percebem. Aconchegantemente rodeados por algumas estantes. Portas. Sofás. Talvez livros. Comodamente sitiados. Agradavelmente amparados pelo tic e pelo tac de um relógio insistente. Ficamos, assim, de pé. Nós e a janela. Lá fora, o mundo. Aqui, nós. E, entre nós e o mundo: um buraco. Um buraco que a vista mal se atreve transpor. Os olhos, nunca. Os dedos, talvez. Os braços se lançam por sobre o peito. E tocam os ombros. Um vento frio chega ao rosto. Os poros se arrepiam ligeiramente.
A janela, então, se fecha. E o mundo, lá fora... Lá fora... Por hoje, se apaga.