A diferença brutal entre ideologia e idéia está na liberdade. A ideologia se parece conosco: tem um nascimento. E ela nasce quando ganha de alguém um nome. Aprende a andar quando um grupo qualquer reconhece seus membros, seus órgãos, sua pele. E tem vida ativa quando é aceita como estimulante, remédio ou droga para alguma coisa, algum problema ou alguma solução. A idéia não. A idéia não tem ventre, não tem propósito, não tem causa. Ela É. E é tudo. Reproduz-se parasexuadamente. Mas de modo imperceptível a qualquer argúcia, mesmo mecânica. Não se pode tocar uma idéia. Não se pode apalpá-la. Ninguém a aprisiona. Ninguém a toma de assalto. Ela é que se permite ser percebida. Por causa da sua grandeza. Por não ser bicho. Por não ser humana. Sua única prisão é sua própria liberdade. Porque nenhuma idéia, por mais próxima que possa estar de um arquétipo de pureza, passa impune ao sopro do tempo. O sopro do tempo é a dádiva e o fardo que dá às idéias capacidade e sina de transmutação e, assim, infinitude. O tempo é mestre e senhor da idéia. E ela, sua escrava liberta. Gozando pelo campo sem fim do tempo sua melancolia dinâmica e voraz. Cabe a nós, humanos, animais, cientistas, tentar enfiar a faca fria da ontologia para dessecá-la. Fazer com ela como que fazemos com os bois: abrir, dar nome às peças, pendurar em algum lugar, pôr à venda e ganhar dinheiro. Ilusão. Patética ilusão. Miramos numa, mas acertamos noutra. A ideologia sim é caçável. Obesa. Perna-de-pau. Já a idéia é como um balão de ar invisível sobre a multidão. Quicando sobre cabeças. Balões inúmeros. Infinitos. Superiores. Causadores de fúria a uma humanidade arrogante e estúpida. Incapaz de se reconhecer como ínfimo finito. Criadora de nomes. Agressora de substratos. Eis nosso tragicômico teatro: Nós e as idéias, como cão atrás do rabo.