Que será que há após o fim da vida? Por vezes duvido que algum sujeito em toda a história humana tenha deixado a vida sem se perguntar isto pelo menos uma vez. A especulação sobre as possibilidades de vida (ou algo que se assemelhe) após a morte é vastíssima e presente em quase todas as culturas, de todos os tempos conhecidos. Em tempos modernos, a ideia mais difundida é que nada há do outro lado. E que seja, havendo céu, inferno, purgatório, hades, reencarnação, outra vida em outros planetas, eterno retorno ou mesmo o Nada, é esta uma questão que não descansará jamais, embora espero que se responda logo depois do último suspiro.
Durante algum tempo andei ao lado da certeza da Vida Eterna. Tomei Cristo como exemplo. Tenho cá minhas dúvidas de que tenha, de fato, existido. Em outras palavras, de que tenha nascido, crescido, bebido água, caminhado sobre o chão, falado, pensado e, fatalmente, sido crucificado, morto e tido o corpo a perecer. Mas, mesmo com tais incertezas, é impossível negar-lhe a Vida Eterna: não há um local sequer que não haja uma cruz com fim de homenageá-lo. Outro que vive em eternidade é Judas Iscariotes. Barrabás também goza de vida eterna, mesmo que estes dois sirvam hoje mais para enfeitar um xingamento.
A lista portanto dos eternos é extensa: Alexandre, Júlio César, Cleopatra, Constantino, da Vinci, Hitler, Élvis,… E, então, como disse, eu tinha esta certeza: basta fazer algo, algo que seja significativo o suficiente para que as gerações futuras se lembrem de ti, que terás, assim, alcançado a Vida Eterna. Com isto em mente, me afirmava: Van Gogh, por certo, teve sua loucura compensada, vive agora a Eternidade.
Pensando em Van Gogh, me pergunto, que será que se passa com tantos outros eternos que deixaram a vida em completo desalento e anonimato? Alcançar a glória depois de morto é um capricho demasiado cruel do Destino. Mas aquela certeza vem, pois, para resolver tal questão e dar algum conforto à alma: o reconhecimento post mortem é o maior esplendor que se pode chegar, e querer gozá-la em vida é pura vaidade; o trabalho de toda uma vida é, por fim, premiado, e para-além da própria existência carnal. Pois bem, isto resolve. Resolve?
Quando perguntado sobre ser o maior poeta do país, Carlos Drummond era secamente taxativo ao citar Humberto de Campos. O maranhense, que durante a vida fora badalado e considerado o mais importante escritor brasileiro, logo depois de morto foi relegado às frias e pavorosas águas de Lethe. Hoje, quando procurei por Humberto de Campos nas Redes Sociais, encontrei, nas duas primeiras páginas, duas comunidades em homenagem ao escritor, entre 20!: cidades, colégios e até uma associação espírita que leva seu nome enfeitaram a tela do computador. Me perguntei: será que os moradores de Humberto de Campos conhecem a procedência do nome da sua cidade? E os alunos, professores, funcionários das várias escolas Humberto de Campos?
Desde criança vivo num bairro cercado por Coelho Neto e Vicente de Carvalho. Durante toda a infância não soube quem foram, e meus vizinhos também não o sabem. No Orkut, 30 comunidades sobre Coelho Neto me apareceram para que uma se referisse ao escritor, que, como Humberto de Campos, fora considerado o melhor do país quando em vida. Que fazemos com a eternidade dos nossos eternos? Será que em vez de guarda-los, não os destruímos na falsa comemoração dos nomes de bairros, ruas, cidades, escolas e associações espíritas? Fala-se um tanto sobre os que partiram sem reconhecimento em vida, mas tenho pensando muito sobre os que a perderam na morte. Não sei qual hipótese seria melhor, ou pior.
Bukowski é nome de bar. Rio Branco é aquela avenida enorme que corta o centro da cidade. O Portela é “a” Portela, escola de samba tradicional, inclusive. E Drummond hoje está sentado, em bronze (e quase sempre sem os óculos), num banco de concreto no calçadão de Copacabana, mas, não sei porquê, de costas pro mar e de frente pros engarrafamentos contantes da Atlântica. Talvez a paisagem que admira seja um prenúncio do que o aguarda? Espero que não.